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O Guia prático, sentimental e histórico de Recife, publicado em 1934, segundo Lira, abole a "norma turística" ao introduzir evocação, intuição, imaginação para acessar o "caráter" da cidade e faz suscitar um novo modo de ver, uma nova perspectiva da cidade.

Continuando a percorrer as páginas do Guia encontramos, entre as figuras do Recife antigo, José Mariano Carneiro da Cunha, aristocrata de engenho que, no Recife, se torna democrata e mesmo populista ao se tornar amigo até de capoeiras (p. 58)3 3 . Essa figura, creio, é o pai de José Mariano Filho, liderança do movimento neocolonial no Rio de Janeiro, e do poeta Olegário Mariano (KESSEL, 2008, p. 107-114) . Os ideólogos e práticos da República criaram o "estadualismo", entendido como uma política perigosa de autonomias estaduais para satisfazer interesses de grupos que, sob o manto dos favores da União a Estados dominantes, leva a um processo de "balcanização" da América portuguesa. O provincianismo está e deve estar na base do federalismo e transnacionalismo da cultura. O artigo apresenta as diferentes leituras da obra de Gilberto Freyre dos anos 1930 até os dias atuais. Mostra a importância de suas experiências como viajante para a adoção de uma perspectiva endógena e exógena de olhar as cidades. Reforça o impacto de seu retorno a Pernambuco nos anos 1920 quando o autor se defronta com processo de urbanização que ameaçava descaracterizar o velho Recife.

Essa estada permitiu, segundo ele próprio, "conhecer com todo o vagar não só as coleções do Museu Afro-Baiano Nina Rodrigues e a arte do trajo das negras quituteiras e a decoração dos seus bobos e tabuleiros como certos encantos mais íntimos da cozinha e da doçaria baiana que escapam aos simples turistas". Ricardo Benzaquen de Araújo já sinalizara a importância que GF confere à experiência do olhar de cada viajante, ao criticar os "manuais" de viagem que prescrevem um tipo de olhar a ser adotado. No Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, Freyre vai dizer que, para viajar ao Recife, é preciso uma visão "irregular, assimétrica e ao mesmo tempo extremamente próxima e calorosa da cidade", um ritmo lento e errático que atente aos pequenos detalhes, o que se afigura próximo ao flâneur baudelairiano (ARAUJO, 1994, p. 170). A cidade tem mencionada sua especificidade. Esta é assinalada nas frases "pela primeira vez" tal ou qual evento, instituição ou feito teve ali lugar. Foi ali que existiu o primeiro observatório astronômico na América, o primeiro jardim zoológico, "o primeiro centro de cultura israelita na América, a primeira assembléia política".

Vai mencionar estrangeiros que escreveram sobre o clima tropical e a liberdade de se viver ao ar livre o ano inteiro. Liga o trópico ao ideal, outrora grego e hoje ibero-americano, de liberdade pessoal. Viver ao ar livre, discutir política, conversar sobre literatura, opereta ou corrida de cavalos, fazer transações comerciais, é hábito do recifense desde o século XIX. "Conversando e às vezes praguejando" (p. 68), pragas estas que os papagaios aprendiam com facilidade. Fala também do hábito dos homens cuspirem em qualquer lugar, emporcalhando a cidade e até de defecarem ao pé das pontes da cidade. Junto aos atributos da natureza tropical, agrega outras queixas. A falta de um mercado de flores na cidade, onde o turista possa ver a riqueza e variedade da vegetação e da nossa fauna. Isso aconteceu no "bom tempo de Nassau" (p. 28), que mandou fazer um parque e um jardim zoológico. É preciso destacar que todas as menções ao tempo dos holandeses e de Nassau são positivas. Os sobrados do Recife, os mais antigos, são do tipo magro, esguio, alto, de aspecto holandês ou flamengo.

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Da vida religiosa fala da presença do protestantismo, desde os tempos coloniais, com os holandeses e calvinistas franceses, e dos seminários presbiteriano e batista existente na cidade. Cita várias igrejas protestantes e o cemitério dos ingleses, além de duas sinagogas. Mas reconhece que a maior presença é mesmo da religião católica com suas festas das padroeiras e da Semana Santa. Suas procissões onde as irmandades e confrarias se apresentam. Pontua essa avaliação registrando o que se perdeu em reformas recentes; o mau gosto das restaurações; os pedaços de altares, de arcos e de igrejas demolidas. "Felizmente, nos últimos trinta anos, acentuou-se entre nós a reação a favor do barroco; deixou-se de bulir nas igrejas velhas com a sem-cerimônia de outrora" (p. 146). Nas primeiras décadas do século XX, Recife, assim como outras cidades do Brasil, está passando por processos de modernização urbana. A cidade sofre remodelação de seu traçado urbano e de sua arquitetura com a abertura de grandes avenidas, derrubada de edifícios, como arcos e igrejas, edifícios sem nenhuma relação com o colonial.

104)5 5 . Freyre monta uma hierarquia do estilo barroco: primeiro as igrejas europeias, depois as do México e do Peru; as de Salvador não são sequer mencionadas. . "A Província" é um jornal que pode ser citado como um caso exemplar de 'provincianização modernizadora' do Recife, provincianização identificada com o ritmo e os problemas da vida local e, ao mesmo tempo, abertura para o mundo. Giucci e Larreta (2007, p. 336) também acentuam esse provincianismo modernizante do jornal, capaz de conciliar província e cosmópolis, local e universal, tradição e vanguarda. Se tudo isso vai, como canto da sereia, encantando o leitor, há uma outra marca que causa estranhamento e, diria, mesmo desagrada. Ele não perde uma ocasião para se autoelogiar. Esse traço de sua persona, também já mencionado pelos estudiosos, aparece neste Guia de forma, diria mesmo, de forma irritante2 2 .

Interessante notar que GF escreve texto intitulado "narcisismo gaúcho", em 1940 (NEDEL, 2007). . Como compreender isso? A "promoção de sua personalidade à posição de único e verdadeiro centro criador de sua reflexão", é mencionada por Ricardo Benzaquen de Araújo (1997) ao analisar as diversas características (originalidade, precocidade e sistematicidade), que aparecem na construção da noção de gênio que Gilberto Freyre vai apresentando ao longo de sua obra. Sua genialidade cobra uma fidelidade e um amor sem limites, ou seja, exige que seus leitores e admiradores o apreciem sem considerar seus vícios. Um de seus "pecados" confesso é a vaidade que, "ao contrário do orgulho, é uma forma de afirmação da própria superioridade que necessita - desesperadamente - da aprovação dos outros, dos inferiores, do mais comum dos mortais, para que consiga se sustentar" (p. 260). Ao empreender essa minha viagem sobre o universo regional em GF, deparei-me com alguns intérpretes e textos que foram fundamentais na montagem do meu argumento. O tema da viagem, por exemplo, mereceu a atenção de Fernando Nicolazzi, em seu artigo "Gilberto Freyre viajante: olhares seus, olhares alheios" (2006).

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Aqui, a comparação quase necessária é com o outro grande, Mário de Andrade. Gilberto Freyre aparece na literatura associado a uma perspectiva regionalista, entendida como parcial e provinciana, ao passo de Mário de Andrade é visto como grande inspirador e líder da modernização artística do Brasil. José Tavares Correia de Lira (2005), em seu artigo já mencionado, aborda comparativamente os dois autores, fazendo o contraponto entre o "turista aprendiz" e o "aprendiz de guia". Valéria Torres da Costa e Silva também vai analisar com atenção os dois autores (2006). O empenho modernizante dos anos 1920 provoca reações contrárias, de preservação e de defesa da região. Há também um posicionamento contra um cosmopolitismo barato, contra a estética do progresso que produz um arremedo, uma caricatura marcada pelo mau gosto. Na contra mão da modernização está a defesa do patrimônio arquitetônico colonial, dos traçados urbanos em ziguezague contra o geometrismo, das árvores próprias da região contra a terrível mania de reformismo.

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Nos mercados, estão à venda ervas, potes, folhetos de "histórias regionais". "Às vezes lá aparecem cantadores com sua viola; ou um cego-cantador; ou algum novo Ascenso Ferreira a recitar para os recifenses versos populares da gente do interior" (p. 50). Recomenda, também, a visita a alguma sede de maracatu e fazer amizade com um dos filhos do babalorixá Pai Adão. Fala dos pregões que não se ouvem, seja porque os artigos já desapareceram, seja porque as buzinas dos automóveis e os alto-falantes os abafaram. Transcreve pregões desaparecidos e outros vivos, reproduz músicas que alegram os carnavais, marchas e frevos do Mestre Capiba e de outros compositores regionais. No prefácio da primeira edição de Casa Grande & Senzala, Gilberto vai agradecer tanto a figuras importantes das famílias da Bahia, quanto a informantes das particularidades da cozinha. Diz ele: "Foi a Bahia que nos deu alguns dos maiores estadistas e diplomatas do Império; e os pratos mais saborosos da cozinha brasileira em lugar nenhum se preparam tão bem como as velhas casas de Salvador e do Recôncavo".

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É frente a essas interferências que crescem as reações tradicionalistas voltadas a proteger monumentos e edificações do passado contra a sanha dos arquitetos e engenheiros que pretendiam dar uma feição moderna à Veneza brasileira (p. 72). Os regionalistas estão contra os administradores públicos que mudam os antigos nomes de rua e abrem amplas avenidas, onde antes havia becos e ruas estreitas, tema mencionado, como já dissemos, no poema "Evocação do Recife", de Manuel Bandeira. Mesmo em uma visão mais complexa e nuançada da tradição interpretativa sobre os anos 1910 e 1920 do pensamento brasileiro, continuamos a nos defrontar com a versão que situa o modernismo como capitaneado por São Paulo e se opondo ao regionalismo provinciano. Segundo Valéria Torres da Costa e Silva (2006), a relação entre modernistas e regionalistas, entretanto, só ganha ares de polêmica quando GF e José Lins do Rego passam a falar de um movimento tradicionalista e, ao mesmo tempo, modernista em Pernambuco. Essa polêmica é aguçada quando, em 1952, GF publica o texto Manifesto Regionalista de 1926 e se apresenta como figura central em contraposição à versão de Joaquim Inojosa.

Em 1941, GF revisita o tema da região, publicando um livro que reúne textos de juventude. Trata-se de Região e Tradição. "Dos nove textos reunidos em Região e tradição, seis foram escritos entre o final dos anos 10 e o final dos anos 20 - 'Adeus ao Colégio' (1917); 'Apologia pro Generatione Sua' (1924); 'Algumas notas sobre a pintura no Nordeste do Brasil' e 'Aspectos de um século de transição no Nordeste do Brasil' (1925); foram publicados no Livro do Nordeste - 'Região, tradição e cozinha' (1925); 'Região, Tradição e casa' (artigos do DP, publicados entre 1923-1926). Apenas os três últimos ensaios do livro datam dos anos 30. Um deles é 'Narcisismo Gaúcho' (1939), o outro é um discurso que Gilberto proferiu em jantar de homenagem a ele, 'Regresso à Província' (1936) e o derradeiro intitula-se 'Fidalgos pernambucanos' (1938)". O homem do interior, o trabalhador das áreas rurais, já recebera menção nas obras dos viajantes, dos cronistas que, durante o século XIX, visitaram o país.

Todas essas questões foram abordadas por GF e estão presentes nos chamados "artigos numerados" publicados no "Diário de Pernambuco", entre 1924 e 1925.

Em 1945, com a redemocratização, Agamenon vai compor o quadro de fundadores do PSD e Gilberto vai para a UDN. Apoiou a política do governo Salazarista português nas colônias da África ao desenvolver a categoria de lusotropicalismo, capaz de produzir uma ideologia justificadora do colonialismo português. Havia também vários xangôs que hoje estão em decadência. "Os antigos eram verdadeiras religiões" (p. 99). Menciona bons terreiros que merecem ser visitados e suas festas. "O calendário das festas religiosas mais populares nos xangôs do Recife indica um sincretismo que vem passado a ser, (pelo declínio do catolicismo como religião mística) de assimilação de crenças e cultos católicos a favor de uma renascença católico-africana" (p. 101). Nomeia restaurantes e mercados a serem visitados pelo turista. O autor introduz o comentário: "quem garatuja este arremedo guia (guia que sendo sentimental é também o seu tanto histórico e à vezes dá-se o luxo de ser prático)" (p. 55). Menciona a fartura de frutas tropicais da cidade, cita de sorvetes a passarinhos.

O espaço da cidade foi tratado por Guillermo Giucci, em seu artigo "Gilberto Freyre: as cidades" (2000), e por José Tavares Correia de Lira, em "Naufrágio e galanteio: viagem, cultura e cidade em Mário de Andrade e Gilberto Freyre" (2005). A relação entre Gilberto Freyre e Manuel Bandeira foi sinalizada por alguns intérpretes, entre eles por Mariza Veloso, no artigo "GF e o horizonte do modernismo" (2000), e por Silvana Moreli Vicente Dias, em "A província, das aporias às experiências repartidas: Gilberto Freyre e Manuel Bandeira no Brasil das décadas de 20 e 30" (2008). Vem sendo reconhecido, também, como aquele que "antropologizou" a perspectiva de olhar as cidades. O mundo urbano já fora destacado por Gilberto ao analisar seu papel na decadência do patriciado rural, principalmente em Sobrados e Mocambos (1936). Antes, ele já enfocara a vida das cidades em suas viagens e escrevera artigos para o "Diário de Pernambuco" sobre Nova York, sobre a Bahia (Salvador) e sobre o Rio de Janeiro. Essa trilha vai ter, no Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, um marco.

A disputa passa a ser sobre quem exerceu influência e autoridade sobre uma geração de escritores da qual fizeram parte José Lins do Rego, Jorge de Lima, Graciliano Ramos, além de Ascenso Ferreira e de pintores como Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres e Vicente do Rego Monteiro, entre outros. As igrejas, como quase toda arquitetura colonial brasileira, são "encantos de espontaneidade". Ao descrever as igrejas, GF vai contando eventos históricos ali acontecidos, destacando os azulejos e jacarandás do coro, os painéis, a capela-mor e seus retábulos. E esclarece: "Todo o primor de arquitetura que aqui se admira foi obra de frade" (p. 107). São muitos os croquis das igrejas que acompanham o texto. Foram encontradas 9 Empresas de artigos usados em Vila do Conde.

Procura artigos usados em Vila do Conde? Encontre artigos usados de bebé, artigos musicais em segunda mão ou outros artigos usados que necessita! A questão de ser Freyre um "modernista regionalista" ou um "provinciano moderno" volta e meia retorna à ordem do dia.

Assim, acompanhando a biografia de GF, encontramos o cronista dos "artigos numerados" do "Diário de Pernambuco", o organizador do Livro do Nordeste (1925), o promotor do Congresso Regionalista do Nordeste (1926). Em 1927, o autor encerra sua participação no DP para assumir o posto de Secretário de Governo de Estácio Coimbra e se torna editor do jornal "A Província" (a partir de 1928), mostrando como Freyre vai elaborando uma nova cartografia histórica e cultural da cidade (LIRA, 2005). Tanto GF, quanto Mário de Andrade estão, cada um a seu modo, procedendo a um enfrentamento da modernização. Cada um deles elabora respostas regionais ao processo - sempre desigual - de modernização. Valéria Torres Costa e Silva vai indicar as "surpreendentes" convergências entre os dois autores, ainda que seus contatos tenham sido sempre breves, suas trajetórias tangenciais. A autora fala de um silêncio entre eles. Entre os dois há figuras mediadoras, tais como Manuel Bandeira, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Prudente de Moraes Neto, José Lins do Rego, Oswald de Andrade e Câmara Cascudo (p. 337-338).

E lembra, era Câmara Cascudo quem punha Mário a par da agitação regionalista no Nordeste. Estava eu começando a elaborar este texto, retomando algumas leituras que me ajudaram a situar Freyre como figura central da valorização do provincianismo, de construção do regionalismo como algo tradicional e moderno simultaneamente, quando me defrontei com outra perspectiva: ao mencionar a importância do regionalismo e a proliferação de movimentos culturais do Recife, ouvi um comentário que me fez refletir sobre o assunto. Disse um conhecido meu cearense: o problema é que recebemos a versão do nordeste através da lente que "pernambucanizou" tudo. . . E, assim, as manifestações emanadas de outros centros como Fortaleza ou Belém foram e são, por assim dizer, apagadas, esquecidas. Por outro lado, igrejas e conventos são exemplares do estilo barroco no Recife. O estilo barroco não comparece com nenhuma maravilha de arte religiosa, "nenhuma catedral que se compare, já não diremos às européias, mas às do México e do Peru" (p.

A cidade não lhe oferece a sensação de concentração urbana, aparecendo antes como unida à natureza, vegetação, beleza morena, praia. Acompanhando a trajetória de vida e a produção dos dois, assim como a crítica, a autora vai mapeando possíveis explicações para as fortunas críticas e para a definição de campos opostos. Quanto à fabricação de autoimagem, As águas do Capibaribe, do Beberibe, do mar, de açudes, dos mangues, dos banhos de rio de ontem e dos banhos de mar de hoje, mar com sua sucessão de piscinas de águas verdes e mornas, entre os arrecifes e a praia, faz ser natural os recifenses adorarem a água. Ponte, botes ou canoas são instituições recifenses4 4 . Nesse Guia, Freyre não menciona as "casas de banho" construídas à beira dos rios, experiência singular no Brasil. . No prefácio de Região e Tradição, Gilberto menciona os jovens José e Clarival Valladares como expressões da baianidade. A conexão é mencionada em diferentes fontes. Recife e Gilberto Freyre exercem influência para todos os jovens baianos e nordestinos que vão fazer curso de direito na capital pernambucana.

De modo geral, fora ressaltado o isolamento, a ignorância e a ociosidade em que viviam. Ou seja, destacavam-se as distâncias geográficas e socioculturais entre esses homens e os das cidades do litoral. Havia como que uma oscilação entre uma valorização positiva, que destacava a força, a autenticidade e a comunhão com a natureza. Do lado oposto, como traço negativo, aparecia a preguiça. Conforme já mencionei, Gilberto Freyre vai construir uma relação forte com os baianos e integrar a Bahia como matriz da brasilidade nordestina. A proliferação de outros regionalismos apenas confirma o regionalismo como "elemento vivificador da unidade brasileira". Assim, o mesmo princípio de defesa e valorização do regional está presente em suas conferências e artigos referentes à sua viagem ao Rio Grande do Sul e em relação aos gaúchos (NEDEL, 2007). É também em uma das crônicas para o "Diário de Pernambuco" que Freyre assinala o "vitalismo" que encontrou em Nova York. Após sua viagem à Salvador, escreve artigo comentando traços da cidade para o jornal, o que também estará registrado no poema "Bahia de todos os Santos e de quase todos os pecados" (1926). Falaremos mais sobre o poema adiante. O Rio de Janeiro, segundo a leitura de Guicci sobre a visão de cidade em GF, não aparece referido em suas crônicas como nenhuma maravilha.

Sua visão patrimonialista ganha concretude na organização do Livro do Nordeste (1925), comemorativo dos 100 anos do jornal "Diário de Pernambuco", onde Manuel Bandeira publica "Evocação do Recife". Freyre e Bandeira, amigos próximos, companheiros de jornada, pode-se dizer revezam-se escrevendo guias e poemas sobre cidades. Por fim, o artigo retoma os conceitos de "modernismo regionalista" ou "provincialização modernista" para identificar em Gilberto Freyre um "outro" modernismo, distinto daqueles que se desdobram do modernismo paulista. O artigo apresenta as diferentes leituras da obra de Gilberto Freyre dos anos 1930 até os dias atuais. Mostra a importância de suas experiências como viajante para a adoção de uma perspectiva endógena e exógena de olhar as cidades. Reforça o impacto de seu retorno a Pernambuco nos anos 1920 quando o autor se defronta com processo de urbanização que ameaçava descaracterizar o velho Recife. Sua visão patrimonialista ganha concretude na organização do Livro do Nordeste (1925), comemorativo dos 100 anos do jornal "Diário de Pernambuco", onde Manuel Bandeira publica "Evocação do Recife". Freyre e Bandeira, amigos próximos, companheiros de jornada, pode-se dizer revezam-se escrevendo guias e poemas sobre cidades.

Para além desse pioneirismo do tempo dos holandeses, outros são mencionados. O Recife foi o primeiro ponto do Brasil a ser atingido pelos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadora Cabral; foi a primeira cidade brasileira onde tocou o Zeppelin em sua viagem de inauguração da linha Europa-América do Sul. No Recife se reuniu, por algum tempo, a população mais heterogênea do continente, gente das mais diversas procedências, credos, culturas ali se misturou. Cita, também, o Recife das revoluções, dos crimes, das assombrações - todo esse Recife que não consta dos livros que os turistas leem, os guias. Nos anos 1930 e 1940, Gilberto foi aclamado como criador de nova autoimagem positiva do Brasil, que superava o racismo presente em autores como Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Oliveira Viana. Fez parte do círculo ampliado que gravitou em torno do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937. Participou de iniciativas dessa agência do governo federal ainda que fizesse oposição ao interventor pernambucano Agamenon Magalhães. Hostilizado pelo interventor federal, Gilberto chegou a ser preso por delito de opinião, sendo acusado de pornográfico e de comunista.

Novamente os relatos dos viajantes são acionados para atestar a paisagem incomum da cidade. A altura dos velhos sobrados não é fenômeno do século XIX já que, sabe-se que em meados do século XVII, havia casas muito altas, mesmo para a Europa e para as Américas. No Recife do século XVII, haveria assim "sobrevivência rara do gótico do Norte da Europa" (p. 154). A ideia é que, no Recife, proliferou uma verticalidade vinda da Europa mais precocemente burguesa e comercial, que se expressa na arquitetura da cidade e que depois se faz presente na Nova Amsterdã (p. 155). Pronto, Nova York descende do Recife!!! Ao comentar as casas do Recife, Gilberto Freyre fala, entre as bem situadas, dos mocambos que, transferidos dos lugares baixos e aterrados para os altos e secos, "chegam a ser, enquanto sua palha não envelhece e seu chão não se degrada, residências ideais para o trópico" (p. 149). Sabe que sofrem deterioração fácil e rápida, haja vista o material empregado em sua construção, mas, mesmo assim, os mucambos vão merecer a atenção do autor quando os considera a moradia "ecológica" do Recife, vai nomeá-los como a "casa primária" do Brasil.

Por fim, o artigo retoma os conceitos de "modernismo regionalista" ou "provincialização modernista" para identificar em Gilberto Freyre um "outro" modernismo, distinto daqueles que se desdobram do modernismo paulista. As relações de Gilberto com a Bahia já receberam atenção com a publicação do livro Na Bahia, de 1943. Na apresentação ao livro, intitulada Bahia e baianos, Edson Nery da Fonseca nos informa que o livro reúne artigos dispersos em jornais, revistas e outras obras que falam exatamente das suas relações com a Bahia. Relembra Nery da Fonseca, que a visita à Bahia, em 1926, produziu também um artigo, publicado no "Diário de Pernambuco", "Bahia à tarde" que, da mesma forma que o poema, apresenta apelos visuais, olfativos e táteis. Em 1930, Gilberto volta a Salvador, acompanhando a fuga do governador Estácio Coimbra então deposto pela Revolução.

Vamos, aqui, explorar o poema "Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados"1 1 . (consultado em 06/08/2008) (1926) e apontar tópicos e questões que vão aparecer mais tarde no Guia da cidade do Recife.

Source: https://www.clasf.com.br

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